sábado, 29 de outubro de 2022

A Reforma da Família

Aos 22 anos, Martinho Lutero tomou uma das mais importantes da sua vida: entrou para a ordem agostiniana no Convento de Frankfurt (1505). Seguindo os ensinos e rigores da ordem, tomou a decisão do celibato para seguir as regras eclesiásticas e permaneceu celibatário até o ano de 1525, quando casou-se com a ex-freira Catharina Von Bora.

Quando afixou suas 95 teses na porta do Castelo de Wittemberg, no dia 31 de outubro de 1517, Lutero iniciou um movimento em direção à Bíblia e toda a sua teologia passaria a ter a Sagrada Escritura como seu fundamento: Sola Scriptura. Logo, Lutero começaria a lidar com todas as questões da vida, entre elas: a vida familiar.

Em 1520, Lutero escreveu um importante texto sobre a vida na Alemanha: “À Nobreza Cristã da Nação Alemã” (LUTERO, 1520). Nesta obra, Lutero defendeu o casamento como um modo de agradar a Deus e propôs que os clérigos deveriam ter a liberdade de casar-se, contrariando uma tradição que perpassou toda a medievalidade da Igreja Católica.

Essa propositura de Lutero, se tornou uma revolução do comportamento e do pensamento cristão sobre o casamento. Antes, a igreja associava a sexualidade com o pecado e sua transmissão. Para muitos, somente a vida celibatária seria capaz de produzir a santidade necessária para agradar a Deus.

Lutero, em seus sermões em Gênesis, começa a declarar que a vida familiar, em particular o matrimônio é uma das formas mais oportunas para a prática e aprendizado da santidade. Para ele, a vida em família era a primeira escola da santidade: “Pois, sem dúvida, pai e mãe são apóstolo, bispo e pastor das crianças, anunciando-lhes o Evangelho” (LUTERO, 1520). Foi esse pensamento sobre a vida familiar que mais motivou Lutero a escrever seu Catecismo Menor, destinado à educação cristã das crianças em suas casas.

A Reforma Protestante foi uma revolução do pensamento religioso no dia a dia da família. Foi na Reforma que a religião invadiu os lares e transformou a família numa pequena igreja. O casamento centrado no amor e na vida conjugal, passou a ser uma forma de culto a Deus, assim como a educação familiar e o cuidado da fé dos pequeninos no lar.

A Reforma entregou ao mundo uma família religiosa, cuja fé, não estava centrada exclusivamente na Igreja e no corpo clerical. Ao contrário, a Reforma tornou a fé, cotidiana e familiar, permitindo que o lar participasse da fé.

domingo, 23 de outubro de 2022

A Reforma do Trabalho


O professor e pastor Ricardo Quadros Gouveia referiu-se a Calvino da seguinte maneira: "Dizer que Calvino foi um grande teólogo soa como um eufemismo tímido e impróprio. É bem provável que Calvino tenha sido o maior e o principal teólogo cristão de todos os tempos". Montesquieu, por sua vez, disse: “os genebrinos deveriam tornar bendito o dia em que Calvino nasceu”. Tais conclusões sobre a pessoa e obra de Calvino exaltam os resultados da sua vida prática.

Entre os resultados mais importantes do pensamento calvinista, devemos destacar o seu legado no tocante à formulação do “conceito protestante de trabalho”. Max Weber, na sua análise cultural e sociológica do Protestantismo, destaca essa contribuição como decisiva para o surgimento de uma “Ética distintamente protestante”.

Calvino compreendia o trabalho não só como uma necessidade social, mas um conceito teológico da vida. Para ele, o ser humano foi criado para o trabalho e esse sistema teológico girava em torno de três premissas importantes: 1) o relacionamento humano com os outros seres humanos; 2) o relacionamento humano com a natureza; 3) o relacionamento humano com Deus. Assim, também o conceito de trabalho para Calvino deveria ser observado nestas três dimensões.

A Reforma fez o Ocidente trabalhar como produto de um amor sincero pelo próximo. Assim, amar as outras pessoas oferecendo-lhes nossos préstimos profissionais e nossas capacidades era um ato necessário de um Cristianismo vivido em sua plenitude: “Sede vigilantes, permanecei firmes na fé, portai-vos varonilmente, fortalecei-vos. Todos os vossos atos sejam feitos com amor” (1Coríntios 16.13-14).

O homem reformado é alguém que trabalha não para explorar o jardim da Criação, mas para atender à ordem de Deus de cuidar do mesmo: “Tomo, pois, o Senhor Deus ao homem e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e guardar” (Gênesis 2.15).

Por fim, e sobretudo o mais, a Reforma Protestante trouxe ao mundo a compreensão de trabalho como ato de adoração e serviço a Deus: “Quer comais, bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus”. Para Calvino, trabalhamos para servir a Deus e essa é a maior glória da vida humana.

Na Reforma o trabalho é um dever e um privilégio. O nosso senso de amor, obediência e reverência são os motivos de nossa vida de trabalho. Soli Deo Gloria!

terça-feira, 18 de outubro de 2022

A Reforma da Piedade

Dentre todos os servos que Deus usou para trazer ao mundo a “Reforma Religiosa do Século XVI”, João Calvino é destacadamente aquele que mais colaborou com o pensamento teológico da Fé Reformada. Apesar de ser de uma segunda geração de reformadores, Calvino foi considerado o mais brilhante teólogo da Reforma.

Embora sua envergadura teológica fosse magistral, Calvino era um teólogo essencialmente prático. Ele acreditava que a teologia cristã era serva da vida cristã como um todo. Calvino propunha uma liturgia da vida cristã, onde cada crente, servia a Deus de forma ampla naquilo que fazia comumente em todos os aspectos da vida. Por isso, devemos assumir que a Reforma era um projeto de “vida piedosa”: “E assim aprendemos que o homem que mais progride na piedade é também o melhor discípulo de Cristo, e o único homem que deve ser tido na conta de genuíno teólogo é aquele que pode edificar a consciência humana no temor de Deus” (CALVINO, Pastorais, pág.300).

A vida piedosa é aquela que percebe a realidade da presença de Deus no mundo e reage a essa percepção com temor. O homem reformado, segundo Calvino, é, sobretudo, alguém que tem os seus sentidos aguçados para a viver presença gloriosa de Deus: “A única coisa que, segundo a autoridade de Paulo, realmente merece ser denominada de conhecimento é aquela que nos instrui na confiança e no temor de Deus, ou seja, na piedade” (CALVINO, Pastorais, pág 187).  

A vida piedosa é uma dádiva transformadora e o surgimento de um grupo cristão piedoso é um modo de levar uma sociedade a um novo modelo de cidadania e ética. Em muitos sentidos, a Cidade de Genebra é devedora a Calvino, por sua profunda influência moral, mas foi o conceito de piedade pessoal que Calvino estabeleceu os princípios de “frugalidade” (vida simples) que tornou Genebra um dos mais bem sucedidos empreendimentos sociais do seu tempo. Todos que vinham a Genebra, encontravam abrigo, quando sua pobreza o requeria e prosperidade para o desenvolvimento de seus labores profissionais.

A piedade é um traço distintivo do homem reformado. Este homem piedoso é capaz de cumprir os seus deveres sociais, como quem serve a Deus em tudo o que empreende. Sua excelência reside no desejo de agradar a Deus acima de tudo. Desta forma, a Reforma Protestante nos oferece um legado que vai além das paredes dos templos e das liturgias, pois entrega ao mundo, um homem que vive para Deus. 

domingo, 9 de outubro de 2022

A Reforma do Culto

Quando lembramos de todas as importantes contribuições da Reforma Protestante para a fé cristã, devemos mencionar o importante fato de que a Reforma foi, sobretudo, uma reforma do culto cristão. Lutero foi responsável por levantar grande controvérsia com a Igreja Católica sobre a natureza da Eucaristia.

No catolicismo, o ritual de adoração é celebrado na “Missa”. O termo é compreendido como originário na palavra latina “mittere” (enviar, mandar, dispensar) e, segundo algumas tradições, originou-se no culto primitivo, que compunha-se de duas partes: a primeiro, com leituras bíblicas, hinos e pregação e uma segunda, exclusiva dos batizados, onde se ministrava o sacramento. Nesta ora, o dirigente, segundo a tradição relata, dizia a todos “Ite, missa est” (vão, estão dispensados). Assim, após a “missa” (dispensa) o sacramento era servido apenas aos batizados. Aos poucos, o termo “missa” aplicou-se a todo o ritual da Eucaristia.

O catolicismo romano interpreta que na Eucaristia, a presença de Cristo é real na hóstia e o sacrifício é repetido e entregue a Deus, como um reviver verdadeiro da morte de Cristo. A doutrina da que embasa esse sacrifício é a da  “transubstanciação”, onde se afirma que há uma mudança da substância do elemento físico do pão, que passa a ser realmente o Corpo de Cristo, apesar da parte visível, a matéria manter-se na forma acidental de pão.

Lutero rejeitou a transubstanciação e afirmou que o sacrifício de Cristo na Cruz é único e não precisa ser mais repetido para ter validade para a fé cristã. Portanto, para Lutero, não existe mais “missa” e sim, todo o ato de adoração centrado no sacrifício único de Cristo, por meio do qual, todos permanecemos na presença gloriosa de Deus, na mediação do Cristo Ressurreto, que intercede por nós.

Por causa desta posição, os protestantes, em lugar da missa, celebram o “culto a Deus”, na forma de cânticos, pregação, orações e ministração do sacramento, como símbolo do corpo de Cristo e do seu sangue.

Calvino foi um dos mais importantes reformadores do culto. Ele o compreendia como o ato mais nobre da vida cristã. O Reformador de Genebra foi muito influenciado por um mestre chamado Martin Bucer, a quem ele denominava: “o mais nobre doutor da igreja”. Foi o culto da comunidade pobre de franceses exilados em Estrasburgo que Calvino admirou e copiou. Chamava a atenção de Calvino era o entusiasmo com que os franceses cantavam salmos.

Quando Calvino retornou a Genebra, adaptou muitos elementos da liturgia de Bucer, tornando-se o rito de Genebra (1542), adotando como partes essenciais do culto: a Palavra, a oferta, a ceia e a oração.

domingo, 2 de outubro de 2022

A Reforma da Oração

A Reforma Protestante foi um movimento que reconhecidamente alterou a vida Ocidental. Suas contribuições para a economia, política, educação, democracia etc são exaltadas, estudadas e reconhecidas. Em face de sua amplitude como movimento transformador da sociedade ocidental, muitas vezes, nos esquecemos do coração da Reforma: a mudança espiritual do Cristianismo. O foco dos reformadores era libertar a “Fé Cristã” das superstições, dos dogmas não bíblicos e da prática de uma religião sem vida, controlada pela hierarquia da Igreja, mecânica e não espiritual.

Calvino, por exemplo, buscou uma  vida piedosa, como declara o prefácio das suas Institutas (principal obra de Calvino), dedicada ao Rei Francisco da França: “Quando, de início, tomei da pena para redigir esta obra, de nada menos cogitava, ó mui preclaro Rei, que escrever algo que, depois, houvesse de ser apresentado perante tua majestade. O intento era apenas ensinar certos rudimentos, mercê dos quais fossem instruídos em relação à verdadeira piedade quantos são tangidos de algum zelo de religião. E este labor eu o empreendia principalmente por amor a nossos compatrícios franceses, dos quais a muitíssimos percebia famintos e sedentos de Cristo, pouquíssimos, porém, via que fossem devidamente imbuídos pelo menos de modesto conhecimento” (Institutas, Livro I, Prefácio).

Para Joāo Calvino, a oração não poderia ser efetiva sem que o homem que ora a considerasse como um “exercício perpétuo de fé”. Ele escreveu: “A menos que separemos certas horas do dia para a oração, isto escapa facilmente de nossa memória.” Para ele, a oração era requisito central da vida cristã piedosa e, deveria seguir algumas regras importante.

A Oração deve ser conduzida com sincera reverência - Na oração, devemos “ter a disposiçāo de mente e coração que convém a quem inicia uma conversa com Deus”.  Para Calvino, a oração deve ser realizada com a mente atenta de que se trata de uma conversa que rompe a distância entre a criatura e o Criador e faz aquela adentrar o espaço da eternidade para um encontro real com Deus.

A oração é um ato de arrependimento -  o homem que ora, Para Calvino, deve reconhecer sua necessidade: “orar a partir de um sentimento sincero de carência e com penitência”. Cada frase de nossa oração deve caminhar na direção de alguém que está ali na presença de Deus como quem clama sua misericórdia:  “com afeto sincero de coração, e ao mesmo tempo desejando obter isto dele”.

Os Reformados devem procurar continuar a tradição de pessoas que oram com frequência e buscam, em suas orações, experimentar a Majestade de Deus como um profundo sentimento de entrega e vida.